Há momentos na vida que nos fazem pensar se são apenas coincidências, acaso, destino, sincronicidade ou até mesmo milagres. Algumas coisas acontecem de forma tão inusitada que nos deixam com a sensação de que há algo maior nos guiando.
Minha mãe sempre foi uma mulher católica fervorosa e tinha uma devoção profunda a Nossa Senhora, seja ela qual fosse o nome — dos Navegantes, Aparecida, Lourdes, Caravaggio, enfim, todas as suas formas a tocavam de maneira especial. Mas, em determinado momento de sua vida, ela passou por uma crise de fé e se afastou da Igreja. Durante esse período, buscou respostas em outra espiritualidade e acabou se dedicando ao espiritismo, já que possuía uma sensibilidade que alguns até chamariam de mediunidade. Eu nasci nesse meio, e foi a orientadora espiritual dela quem acabou se tornando minha madrinha.
Ela ficou distante da Igreja até eu completar cinco anos e meus irmãos, 14, 15 e 16. Foi um período muito difícil. Minha mãe, que sempre foi nosso apoio, começou a sofrer de graves problemas nervosos, o que a levou a ser internada em uma clínica psiquiátrica. Tudo começou quando ela se trancou em um quarto por dias, rasgando roupas e falando sozinha em uma língua que nem ela mesma entendia. Meu pai, preocupado, pediu ajuda ao irmão gêmeo de minha mãe, e acabou que ela foi internada.
Com todos estudando e trabalhando, meu pai chamou a irmã mais nova de minha mãe para cuidar de nós enquanto ela estava internada. A situação não foi fácil, pois minha tia, uma jovem prostituta que trabalhava no porto da cidade, tinha muitos vícios e não era exatamente uma boa influência para nós. Ela tinha um vocabulário bastante vulgar e, em suas conversas, sempre falava de maneira crua sobre suas "aventuras". Durante esse tempo, meus irmãos começaram a fumar, algo que carregaram por muitos anos.
Naquela época, a medicina tratava pessoas com depressão de forma muito dura, quase desumana. Usavam métodos como eletrochoques, amarras e contenção física, que, infelizmente, causavam danos aos pacientes. Minha mãe sofreu muito lá e, como resultado, perdeu parte de sua mobilidade.
Enquanto ela enfrentava essa situação, nós também estávamos lidando com nossa própria forma de sofrimento. A falta dela em casa e a influência da nossa tia causaram muitos conflitos. Meus irmãos começaram a se rebelar e, como uma "brincadeira", começaram a me agredir. Houve uma vez em que eu, para fugir, me escondi em um velho galpão de madeira nos fundos da casa, onde, por um tempo, fui seguro entre pilhas de caixas e pedaços de metal enferrujado. A situação ficou tensa, e quando meu irmão me encontrou, puxou-me com força. Na queda, acabei ficando preso entre as latas enferrujadas. Embora ele tenha tentado amenizar, o ferimento infeccionou e fiquei semanas com dor.
Com saudades e muito preocupado, comecei a perguntar demais sobre minha mãe. Isso levou meu pai a me levar para visitá-la no hospital. Chegando lá, o ambiente me assustou, parecia um lugar sombrio, com pessoas que pareciam zumbis, com olhares perdidos e falas desconexas. Quando finalmente pude vê-la, senti um medo inexplicável, mas algo na expressão dela mudou assim que percebeu o ferimento na minha cintura. Aquilo foi o gatilho para algo profundo dentro dela: ao ver que seu filho pequeno estava sendo maltratado, ela sentiu a urgência de se recuperar e voltar para casa para cuidar de nós. Ela ficou muito preocupada, e naquele momento, entendeu que sua missão de mãe precisava ser retomada.
Após algum tempo, minha mãe recebeu alta. Ao voltar para casa, algo havia mudado profundamente nela. Ela estava convertida novamente ao catolicismo e contou que, enquanto orava por nós e pela minha cura, teve uma visão de Nossa Senhora. A mensagem era clara: ela deveria se curar e voltar para sua família. A partir daquele momento, ela se entregou de corpo e alma à caridade e ao trabalho na construção de uma igreja no nosso bairro. Junto com outras mulheres, ela se uniu para levantar um pequeno galpão, que serviria como igreja e posto de saúde, para que a comunidade pudesse se reunir para orações e apoio. Com muito esforço e solidariedade, elas conseguiram construir uma capela, onde até hoje são celebradas missas.
Minha mãe também não perdeu sua sensibilidade especial. Sempre dizia que sabia de certas coisas porque um "passarinho azul" lhe contava. Ela previu muitos acontecimentos ao longo da sua vida, mas nunca deixou de cuidar de seus filhos, netos e da comunidade que ela ajudou a formar.
O legado de minha mãe, Dona Maria, foi muito mais do que o trabalho na construção da igreja. Ela nos ensinou o valor da educação, da empatia, da resignação e, acima de tudo, o poder do amor ao próximo.
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